Vida em preto e branco
Olhei a antiga foto em preto e branco, levemente amarelada, e adentrei em sua profundidade. Lembrei-me de um fato contado por minha mãe e comentado por muitos, durante à minha infância que ficou gravado, nas paredes de minha memória.
Adélia, tinha uma família grande: três rapazes, homens feitos, duas moças e um adolescente. O senhor Raul, pai dos seus filhos, dono das terras e o senhor da escrava branca: A esposa, moída, deprimida e anulada. Seu ofício, sem nunca tirar o avental: “Governanta do lar”. Sua rotina: Cozinhar, passar, lavar, cozer, limpar, bordar, tirar as botas do patrão, tirar a própria roupa, e, fazer, fazer, sem si satisfazer. Sempre, cabisbaixa, submissão e omissão do seu eu. Vida metódica e enfadonha.
Na hora certa: mesa posta, servindo à família que esbanjava felicidade... Todos alegres e saudáveis. Após as refeições, uma filha cantava, o mais novo tocava violino, orgulho do pai, o senhor.
Até, a chegada dele: Eduardo Nogueira, contratado pelo senhor Raul, para registrar em fotos o dia a dia da família.. Eduardo, o retratista, achou por bem reunir a todos para uma foto. Àquela foto que seria a capa do álbum.
Adélia, negou-se a participar. Apresentando várias desculpas, dentre elas, o seu cuidado com o jardim. Delicadamente, o profissional insistiu para que participasse. Perguntou-lhe Adélia: – Posso ficar como estou? Esperava escapar da foto, por está de avental e mãos sujas de terra. O homem falou sorrindo: – A senhora está sempre bem!
Diante disso, atendeu ao apelo de Eduardo. Enfim, a escrava branca, deixara de ser invisível.
O profissional conseguiu registrar a presença de Adélia em família, mesmo que cabisbaixa, corpo de lado e de costas, para o senhor da casa.
Terminado o trabalho fotográfico, o senhor Raul ofereceu um grande jantar de despedida. A mesa estava farta; os filhos dançavam, tagarelavam, cantavam, a música inundou o ambiente, até tarde da noite
Comumente, ao amanhecer a mesa estava posta, sem que nada faltasse, exceto, a dona da casa que, continuava de avental empenhada nos seus afazeres domésticos. Porém, naquela manhã, todos acordaram mais tarde, só então, perceberam o inusitado: Tudo estava como fora deixado, após o grande jantar da noite anterior: Pratos, copos, taças e garrafas, sobre à mesa.
Inutilmente, chamaram por Adélia... O retratista a levou para que, finalmente, conhecesse a vida colorida.
A escrava branca, jamais voltou!